Um Método Perigoso
Há filmes que tentam explicar a mente humana. Poucos têm coragem de mostrar o que realmente nos move: o desejo oculto de poder, rendição e prazer na dor. Um Método Perigoso é apresentado como a história da psicanálise, mas, para quem enxerga com olhos de submissa, revela-se um manual involuntário sobre dominação, humilhação e erotismo disfarçado de ciência. Aqui, Freud e Jung não são apenas médicos — são peças num jogo de controle, onde Sabina Spielrein, a paciente “doente”, talvez seja a única realmente lúcida.
Ficha técnica
Título original: A Dangerous Method
Diretor: David Cronenberg
Roteiro: Christopher Hampton (baseado na peça The Talking Cure e no livro A Most Dangerous Method, de John Kerr)
Elenco: Michael Fassbender (Carl Gustav Jung), Viggo Mortensen (Sigmund Freud), Keira Knightley (Sabina Spielrein), Vincent Cassel (Otto Gross), Sarah Gadon (Emma Jung)
Gênero: Drama, Biografia
Duração: 1h39min
Ano: 2011
País: Reino Unido / Alemanha / Canadá / Suíça
Análise
O filme Um Método Perigoso (2011), dirigido por David Cronenberg, retrata o nascimento da psicanálise a partir do triângulo intelectual e afetivo entre Freud, Jung e Sabina Spielrein. Mas, à luz do BDSM, a obra ganha um contorno ainda mais intrigante, pois o que aparece na tela não é apenas um debate científico: é a dramatização de um jogo de poder, desejo e submissão mascarado pelo discurso médico.
1. O erotismo da humilhação
Sabina Spielrein, desde o início, revela sua excitação com a violência e a humilhação: as surras do pai, a vergonha pública, o “quartinho da punição”. Não é loucura, mas sim a descoberta precoce do prazer masoquista. O roteiro mostra isso de forma crua: ela goza pela dor, sente o corpo responder à disciplina. A psicanálise, aqui, funciona como verniz científico para algo que o BDSM moderno reconhece: a erótica da entrega pelo sofrimento.2. Jung: o dominador relutante
O personagem de Michael Fassbender oscila entre o médico clínico e o homem fascinado pelo poder que exerce sobre Sabina. Ele resiste, racionaliza, tenta se manter “ético”. Mas quando cede, o faz não como amante romântico, e sim como figura de autoridade que pune, prende e transgride. É um Dominador inseguro: tem a potência, mas teme a perda de status social. Diferente de um Dom experiente, Jung não integra cuidado e disciplina — ele se deixa arrastar pela intensidade de Sabina sem estruturar a cena.
3. Freud: o guardião da repressão
Freud é retratado como o patriarca que interpreta tudo à luz da sexualidade, mas que nunca se deixa envolver. Ele entende o poder do desejo, mas teme sua força. Se Jung encarna a tentação de viver a dinâmica D/s, Freud é o símbolo da contenção: prefere a palavra, a análise e a hierarquia intelectual. Em termos de BDSM, Freud seria o “Top” que nunca desce da cadeira, o observador que teoriza sem sujar as mãos.4. Sabina: de submissa a criadora de sentido
Sabina não é apenas paciente ou vítima. Ela é a mais lúcida do trio: reconhece no prazer da dor uma força criativa. Sua teoria (que mais tarde antecipou a noção freudiana da pulsão de morte) nasce dessa vivência erótica: o sexo como destruição do ego, como fusão e renascimento. É uma visão profundamente alinhada à essência do BDSM — onde a submissão extrema, a dor e a humilhação podem se tornar experiências de transcendência e transformação pessoal.
5. O não-dito do filme
Cronenberg, fiel ao seu estilo, mostra o corpo em crise: convulsões, gemidos, tapas, gemidos interrompidos. Mas o filme evita nomear esse desejo como parte da sexualidade humana legítima. O BDSM é tratado como sintoma patológico, não como expressão erótica. E nisso, o filme denuncia mais o preconceito da época (e ainda de parte da nossa sociedade) do que a “doença” de Sabina.Síntese
Um Método Perigoso não é apenas um filme sobre a psicanálise: é um retrato de como o desejo de dominação e submissão já pulsava por trás das paredes dos consultórios médicos. Sabina, com sua coragem em assumir a excitação pela humilhação, foi a primeira a expor — ainda que entre diagnósticos e tabus — a verdade que toda submissa moderna reconhece: a dor pode ser um caminho para o prazer, e a rendição pode ser fonte de poder.
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